A intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, ano passado, tinha como uma das principais metas o aumento do efetivo policial nas ruas, com o retorno de PMs emprestados a outros órgãos. Porém, desde 1º de janeiro, quando o estado retomou a segurança, centenas de agentes voltaram a ser cedidos pela Polícia Militar. O número de policiais lotados em gabinetes de deputados na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), por exemplo, quadruplicou. Em 31 de dezembro, eram nove. Mas levantamento feito pelo EXTRA revela que, só nos dois primeiros meses do governo Witzel, outros 39 agentes foram cedidos para trabalhar com parlamentares.
A maior parte desses policiais cedidos está em gabinetes do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro e que tem a maior bancada na Alerj. Ao todo, 22 dos 39 agentes emprestados trabalham para parlamentares da legenda — todos em seus primeiros mandatos. Só o deputado Alexandre Knoploch tem cinco agentes à disposição. Renato Zaca e Rodrigo Amorim, do mesmo partido, têm três PMs em seus gabinetes.
A Alerj, no entanto, tem a seu dispor mais policiais militares, que não são vinculados a nenhum deputado especificamente, mas estão lotados na Coordenadoria Institucional de Inteligência da Casa (Cisalerj). Agentes emprestados ao órgão dessa forma não têm prazo para voltar à PM, já que uma lei de 1993 determina que se trata de um “órgão de interesse e/ou de natureza policial militar”. Já os lotados em gabinetes só podem permanecer dois anos cedidos.
Até abril do ano passado, a Alerj tinha um total 146 PMs emprestados — entre agentes lotados em gabinetes e na coordenadoria. Para aumentar o policiamento nas ruas do estado, o Gabinete de Intervenção Federal determinou o retorno da maior parte desses agentes. Em dezembro, último mês da intervenção, segundo um documento interno da PM, 54 PMs trabalhavam na Casa: 45 na Cisalerj e nove em gabinetes.
Desde o início de 2019, os boletins da PM registraram a volta de 11 dos policiais que trabalhavam na Cisalerj à PM. Em compensação, outros 14 agentes foram cedidos ao órgão.
O deputado Alexandre Knoploch, cujo gabinete tem a maior quantidade de PMs, afirma que o número de cinco agentes “se justifica por denúncias de ameaça de morte ao deputado recebidas pelo disque-denúncia”. Em nota, ele alegou que as ameaças “foram feitas pelo tráfico de drogas e já são de conhecimento da Alerj e da Polícia Civil”. Um capitão, um sargento, dois cabos e um soldado trabalham para o parlamentar.
Rodrigo Amorim também justificou a presença de três PMs em seu gabinete por “ameaças e abordagens ameaçadoras nas ruas”. O deputado afirmou, por nota, que os PMs fazem sua segurança “nos trajetos de sua rotina de trabalho”. PMs que trabalham com Knoploch e Amorim estiveram com os deputados na última sexta-feira, na Aldeia Maracanã. Na ocasião, os deputados se envolveram numa discussão com os indígenas que ocupam o local. A confusão foi filmada. Ao final do bate-boca, Knoploch chegou a agredir uma pessoa. Os agentes que aparecem nas imagens portavam distintivos.
Já Renato Zaca afirmou, também por meio de nota, que “é sargento da Polícia Militar, e é natural que tenha praças da PM junto ao seu mandato, com o objetivo de fazer a interlocução com a tropa”. Dos 21 deputados que têm PMs lotados em seus gabinetes, dez são do PSL, partido de Zaca, Amorim e Knoploch.
Minibatalhão na Saúde
Ao todo, nos dois primeiros meses do ano, foram 351 policiais militares cedidos a outros órgãos e prefeituras – o que corresponde a seis agentes por dia. Em dezembro de 2018, a Secretaria estadual de Saúde tinha apenas dois policiais militares emprestados. Entre janeiro e fevereiro, a pasta acumulou um minibatalhão: foram 38 PMs cedidos desde o início do governo Witzel. As cessões explodiram desde que o anestesiologista Edmar Santos assumiu a secretaria. Edmar é major médico da PM.
Entre os agentes requisitados, somente dois são oficiais médicos da corporação: os coronéis Albert James Ambram, ortopedista, e Carlos Adolfo Barreira Pinto Calçada, anestesista. Os demais policiais cedidos — 23 sargentos, quatro cabos, quatro subtenentes, dois majores, dois soldados e um capitão — não são da área médica. Fontes da secretaria afirmam que boa parte do efetivo emprestado faz a segurança pessoal do secretário. Procurada para explicar o motivo das cessões, a Secretaria de Saúde não respondeu os questionamentos do EXTRA.
A pasta que mais recebeu PMs emprestados desde o início do governo Witzel, entretanto, foi a Secretaria de Polícia Civil. São 87 policiais militares, que passaram a dar expediente na Subsecretaria de Inteligência — que, com o fim da Secretaria de Segurança, passou para a estrutura da Polícia Civil. Os empréstimos acontecem oito anos depois de serem vetados pelo então secretário José Mariano Beltrame. Na ocasião, a operação Guilhotina, da Polícia Federal, revelou um esquema de desvio de armas por uma quadrilha de PMs que trabalhavam cedidos a delegacias especializadas.
Intervenção teve embate com Alerj por agentes cedidos
Para conseguir recuperar efetivo e aumentar o policiamento ostensivo nas ruas, o Gabinete de Intervenção Federal na área de segurança protagonizou um embate com a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em abril do ano passado. Na ocasião, o general Richard Nunes, então secretário de Segurança, determinou o retorno de 87 dos 146 PMs cedidos à Casa. Agentes que estavam emprestados a outros órgãos também foram chamados de volta. Mas os deputados relutaram em abrir mão dos policiais, e a determinação demorou duas semanas para ser cumprida na Alerj.
Na época, por conta da crise financeira, o governo ainda não conseguia pagar o Regime Adicional de Serviço (RAS) para que policiais trabalhassem nas folgas. Sem o pagamento, a corporação sofria com déficit de agentes em todas as regiões do estado. Para compensar essa perda, o Gabinete de Intervenção passou a chamar de volta todos os PMs que estavam lotados em órgãos inadimplentes com o estado.
O então deputado Paulo Melo (MDB), que já estava preso pela Operação Lava-Jato, era o parlamentar com mais policiais à disposição: 12. À época, o então presidente interino da Alerj, André Ceciliano (PT), propôs a representantes da Secretaria de Segurança a devolução de apenas14 dos agentes. O deputado argumentou que a Assembleia deveria seguir a mesma determinação dada ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça, que devolveram apenas 10% dos policiais requisitados. A proposta foi negada.
Diante da relutância dos deputados em acatar a determinação, a secretaria exigiu que os PMs se apresentassem ao Quartel-General. “Aqueles que não se apresentarem serão considerados faltosos”, afirmou o general Nunes, em entrevista concedida na época. Em nota, a Polícia Militar informou que os policiais que não se apresentassem poderiam “responder por deserção, crime cuja pena varia de dois meses a dois anos de prisão”. Um mês após a determinação, 284 agentes que estavam emprestados a vários órgãos voltaram à PM.
Fonte: Jornal Extra