Burocracia em excesso, produtores insatisfeitos, blocos tradicionais encerrando suas atividades e o aumento de desfiles não oficiais. Essa é a atual realidade da produção do carnaval de rua do Rio de Janeiro. Pelo menos, é a sensação de muitos responsáveis por colocarem os blocos nas ruas.
Uma pesquisa feita pela associação Coreto, que representa 40 blocos do Rio, mostrou que 71% dos responsáveis pelos blocos do coletivo consideram o processo de produção do carnaval de rua do Rio regular, ruim ou péssimo.
Apenas 12% dos produtores culturais classificaram o processo implementado pela Riotur como “bom”. Nenhum deles disse que o esquema atual é “ótimo”.
Segundo o Coreto, os principais problemas na organização do carnaval de rua são: dificuldade de financiamento e liberação dos bombeiros.
Só a lista de exigências do Corpo de Bombeiros para autorizar o desfile dos blocos conta com quase 20 itens, entre eles a necessidade de um projeto, assinado por um engenheiro ou arquiteto, com rota de fuga e a medida de largura das portas para blocos que desfilam ou se apresentam nas ruas da cidade.
Segundo a corporação, as exigências são importantes para garantir a segurança do carnaval de rua e para “proteger o cidadão no que tange a questões relacionadas a incêndio e pânico”.
Segundo Isabela Dantas, é importante que as autoridades tenham o controle. Contudo, ela avalia que a quantidade de exigências é grande e o processo descentralizado torna a vida dos produtores quase uma “gincana”.
“Ninguém está questionando a necessidade de documentos, de organização. Não é isso. Mas poderia ser uma forma melhor, mais organizado. O processo poderia ser centralizado em um único órgão. Os fornecedores, como carros de som, poderiam ser cadastrados. (…) não é razoável que isso seja assim para todos os blocos da cidade”.
Além dos documentos pedidos pelos Bombeiros, tem mais exigências da Policia Militar e outros pedidos da Polícia Civil.
Dificuldade para fechar patrocínios
A infraestrutura de banheiros químicos, grades, ambulância, limpeza, policiamento é fornecida pela Prefeitura do Rio, o Governo do Estado e os patrocinadores do evento.
Porém, apesar do município fechar contratos de patrocínio para todos os desfiles antes e durante o carnaval, os blocos não recebem ajuda em dinheiro. Eles precisam buscar apoio para colocar a festa de pé.
E é nesse momento que surge mais um problema. As associações dizem que não estão conseguindo mais patrocínio por conta de barreiras que existem no contrato dos patrocinadores oficiais com o município.
“A prefeitura tem seus patrocinadores oficiais e impede que outros patrocinadores patrocinem individualmente os blocos. (…) No carnaval de 2024, todas as empresas que escolheram patrocinar os blocos, mas que não eram oficiais, foram multadas. Então, isso criou um gargalo que as empresas não querem mais patrocinar os blocos de rua”, explicou Rita Fernandes.
Regras mais rígidas
Desde 2010, a Dream Factory é a empresa responsável pela produção do carnaval de rua do Rio de Janeiro. A última licitação que a empresa venceu, em 2024, também garantiu a produção dos carnavais de 2025 e 2026.
A Dream Factory fica responsável pela infraestrutura da festa, da instalação de banheiros químicos até a decoração, passando pelo cercamento de canteiros, cadastro de ambulantes e montagem de outras estruturas. Veja todos os itens estabelecidos no contrato.
- Sanitários;
- Postos médicos;
- Ambulância;
- Maqueiro;
- Inscrição de promotores de venda;
- Coleta seletiva;
- Proteção de canteiros e monumentos;
- Controladores de tráfego;
- Sinalização e equipamento de orientação viária;
- Painel de mídia variada;
- Utilização de mecanismo de informação turística;
- Programação visual da cidade.
Um dos pontos mais polêmicos do caderno de encargo é em relação aos patrocinadores do evento. A prefeitura entende que o carnaval é um evento que custa caro e pertence a cidade. Por conta disso, as áreas públicas devem ser “vendidas” pelo município para os patrocinadores do carnaval de rua como um todo.
Contudo, essa lógica esbarra no planejamento de muitos blocos de bairros, que contam com pequenos patrocinadores, muitas vezes do comércio local, para pagarem seus gastos com carro de som, músicos etc.
Duda Magalhães, presidente da Dream Factory, explicou ano passado que os organizadores de blocos estão autorizados a colocarem suas marcas nos carros de som, em suas camisetas e em espaços privados. Contudo, segundo ele, todo local público deve ser respeitado.
Além disso, leia também:
PF prende homem condenado por estupro de vulnerável em Itaboraí
“É legitimo para o bloco o direito de citar seu próprio patrocinador, o direito de colocar a marca do seu apoiador na sua roupa, eventualmente a marca naquele carro de som etc. Até aí são exemplos relativamente simples e fáceis de a gente entender. O que fica cinzento é quando isso vai para a rua. Aí não é necessariamente um espaço do bloco. É um espaço da cidade do Rio de Janeiro, que decide entregar como contrapartida ao investidor patrocinador para prover aqueles itens do caderno de encargos”, explicou Magalhães.
Bernardo Fellows, presidente da Riotur, afirmou ao RJ2 que vai chamar os blocos para explicar como eles poderão fechar contrato de patrocinadores próprios.
“Os patrocínios podem sim ser diferentes dos patrocínios do caderno de encargos. Podem ter patrocínio na zona deles (blocos). Só que tem regras. Se não estão claras, a gente vai chamar os blocos para explicar melhor”, disse Fellows.
Exemplo de São Paulo
Para os organizadores, toda a burocracia envolvendo as várias autorizações necessárias para um desfile acontecer deveriam ser cumpridas pela prefeitura. Segundo eles, uma saída poderia ser copiar o modelo feito no carnaval de São Paulo.
O coordenador do Fórum de Blocos de São Paulo, José Cury, disse que lá os blocos só precisam da autorização de um órgão, a prefeitura.
Blocos tradicionais desistem da folia
O bloco Imprensa Que Eu Gamo, que completa 30 anos em 2025, anunciou que fará seu último desfile no carnaval desse ano. O grupo que sai pelas ruas de Laranjeiras, na Zona Sul, se junta aos tradicionais Escravos da Mauá, do Centro, e o Bloco de Segunda, do Humaitá, que encerraram suas atividades em 2022 e 2023, respectivamente.
Além desses, o Suvaco do Cristo, do Jardim Botânico, também na Zona Sul, confirmou que 2026 será seu último desfile de carnaval. O bloco foi fundado em 1986.
Os quatro blocos, todos com 30 anos ou mais, representam o período da retomada do carnaval de rua no Rio de Janeiro. Todos eles participaram ativamente da história cultural da cidade e arrastaram milhões de pessoas ao longo dos anos.
Os motivos para o fim desses blocos passam por: alto custo do carnaval, excesso de burocracia, falta de pessoas na organização, mudança de público e o desgaste do formato de desfile.
Em 2023, o g1 mostrou que os organizadores dos blocos de rua do Rio já reclamavam da grande burocracia para organizar um desfile de carnaval. Na época, os responsáveis já ameaçavam seguir para a clandestinidade.
Carnaval não oficial ganha força
Se de um lado vários blocos tradicionais estão deixando de organizar seus desfiles, outros tantos estão tomando conta das ruas do Rio antes e durante o carnaval. Contudo, nem todos os novos blocos fazem parte da lista oficial da folia carioca.
Com muitos blocos ainda buscando fechar suas listas de exigências para conseguirem a tão sonhada autorização, os blocos “clandestinos” ou não oficiais já estão em clima de carnaval.
Uma prova disso, foi o primeiro fim de semana de 2025, quando a organização Desliga dos Blocos colocou cerca de 30 blocos na abertura ‘não oficial’ do Carnaval do Rio.
Além desse evento, a percepção de todos que fazem parte desse setor é comum. Todos concordam que a cada ano que passa o número de desfiles não oficiais vai aumentando.
“O carnaval é dinâmico, muda o tempo todo. Tem que deixar a festa tomar seu próprio formato. O erro é querer engessar o formato. O carnaval de rua tem que ser muito espontâneo e orgânico. Os blocos vão encontrar seus formatos na própria rua”, disse Rita Fernandes.
Crédito: Por Raoni Alves, André Coelho Costa, Larissa Schmidt, g1 Rio e TV Globo
Assim que ler a matéria, deixe seu comentário e nos siga nas redes sociais.