A deputada Renata Souza (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), disse que entrará com uma representação junto ao Ministério Público estadual, pedindo abertura de uma investigação para apurar e listar todas as operações policiais, realizadas em 2019, onde atiradores de elite (também conhecidos como snipers) teriam sido utilizados pelas Polícias Civil e Militar para disparar tiros no interior de comunidades do estado.
Neste domingo, em entrevista publicada nos jornais O GLOBO e EXTRA , ao ser perguntado sobre a ordem de atirar na cabeça de quem estiver segurando um fuzil, o governador Wilson Witzel afirmou que os snipers já estão sendo usados e que só não há divulgação disso.
Na ocasião, Witzel disse que o protocolo, é claro e que se alguém está com um fuzil, deve ser neutralizado de forma letal. Ele ainda afirmou que quem avalia se o tiro será efetuado na cabeça ou em outra parte do corpo é o policial (sniper).
“O governador Wilson Witzel está dando uma licença para matar aos seus policiais. Isso fere a constituição. É absurdo e escandaloso. Vamos representar ao Ministério Público pedindo uma investigação. Queremos saber os critérios e onde ocorreram essas ações. A utilização de snipers é apenas para situações complexas, como por exemplo quando há reféns”, disse a deputada.
Luciano Bandeira, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, do Rio, reconhece que Wilson Witzel tem legitimidade para ditar as políticas de segurança, por conta do cargo ocupa e para o qual foi eleito.
No entanto, diz que a lei não permite atualmente a prática do abate.
“Ao que me parece a legislação não permite isso. Decorre de uma conclusão lógica. Existe uma proposta no Ministério da Justiça de modificar a lei, para flexibilização do direito da legítima defesa para os policiais, para os agentes de segurança pública. Se há necessidade da mudança da lei, é porque hoje a lei não permite. E nós temos que andar na legalidade. Nós vivemos num estado, onde há pouco tempo atrás, se matou um morador de comunidade que estava segurando uma furadeira, quando ele fazia uma obra dentro de casa. Acho que existe um risco grande numa prática dessa. De se aumentar a morte de pessoas inocentes. A primeira preocupação do estado é a de preservar a vida de inocentes”, disse Luciano Bandeira.
Ignácio Cano, sociólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) criticou a prática defendida por Witzel . Ele disse que se isto estiver mesmo acontecendo, o fato pode ser classificado como execução sumária.
“Técnicamente falando, o uso de sniper nas policias é recomendado em situações de tomada de reféns, quando há risco de morte de um refém. A questão ( atirar na cabecinha de criminosos com uso de sniper), aliás, nunca foi uma demanda das policias. É uma coisa que o governador cismou. É da cabecinha dele. Agora, se isso estiver mesmo acontecendo, é uma execução sumária e o governador é o mandante. Seu posicionamento instiga ainda mais a violência” disse Cano.
Procurado para falar sobre o assunto, Márcio Garcia presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sindpol) deixou claro que a decisão do disparo não deve ficar a cargo do policial (sniper) e sim de alguém que esteja supervisionando o trabalho dele.
“Isso (atirar) tem de ter uma ordem superior. Se isso não acontecer, vai imputar uma responsabilidade grande sobre o policial. A decisão, embora técnica, tem de ter uma supervisão porque, no fim das contas, que responderá por isso é o atirador”, concluiu Márcio Garcia.
Fernando Bandeira, presidente do Sindicato dos Funcionários da Polícia Civil (Sinpol) também pensa parecido sobre o fato. “Geralmente o policial sempre necessita de uma supervisão. A decisão não é dele”, disse.
Atualmente, na Polícia Militar, os atiradores de elite são lotados no Batalhão de Operações Especiais (Bope). No caso da Polícia Civil, todos integram o quadro da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) . Por ser uma informação tida como estratégica, as duas corporações não divulgam o número de snipers existentes em cada força de segurança.
No caso da Core, os agentes chegam a disparar de 800 a mil tiros durante os cursos de formação ministrados na unidade, com professores habilitados pela Polícia Federal. Após formados, eles têm habilidades para fazer disparos em ambientes diferenciados, como do interior de helicópteros, do alto de prédios ou ainda de locais fechados.
Em setembro de 2009, a polícia usou um sniper, durante um assalto, na Tijuca, na Zona Norte do Rio. Na ocasião, um bandido foi morto depois que fez uma mulher refém em uma farmácia. Ele roubou um carro e, na fuga, entrou no comércio e fez a dona do estabelecimento de escudo, ameaçando-a com uma granada. Acabou morto por um um tiro de fuzil, disparado do alto de um prédio, por um um atirador de elite, um oficial da PM, lotado na época no Bope.
A reportagem procurou a assessoria do governador Wilson Witzel para pedir mais detalhes sobre a utilização dos snipers, em operações ocorridas, em 2019. No entanto, teve como resposta que as Polícia Civil e Militar deveriam ser procuradas. As duas corporações também foram questionadas sobre o fato, mas até o início da noite deste domingo não haviam respondido ao pedido.
Fonte: Jornal O Globo