“Olá, bom dia. Sejam bem-vindos!” Quem passa pelo Viaduto do Colubandê, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, está acostumado a ouvir essa frase. Ela é dita uma infinidade de vezes por Moyses Motta, desempregado que há um mês decidiu ganhar a vida vendendo água e bebidas no trânsito. Ele chama a atenção não pelo que vende, mas como vende. Usando um uniforme de garçom, ele serve aos motoristas.
“Se eu fosse comprar algo na rua, gostaria de ser tratado da forma que eu estou vestido”, destacou o ambulante. A experiência como garçom veio de bufês, onde já fez bicos. Pretendendo oferecer um atendimento diferenciado, ele passa mais de oito horas por dia correndo a caráter entre os carros.
Moyses ainda não conseguiu, mas a ideia é usar o horário flexível do expediente e parte do dinheiro recebido no trânsito para voltar a estudar. Ele cursou até a 8ª série. “O meu sonho de criança é ser médico, um excelente profissional. Fazer com amor. Vou começar a estudar. Por enquanto, eu não consegui, não. Vou terminar meus estudos e depois quero fazer uma faculdade de medicina.”
Quem passa pelo local se surpreende. “Gostei de ver. Está limpinho, bem apresentado. Está de parabéns”, destacou o militar Fábio Freitas, que considera a roupa de garçom um diferencial. “Eu achei bonito, achei ótimo. Está bem higiênico”, ressaltou Fernando Camargo, que também é vendedor ambulante.
Busca por trabalho
Moyses começou a trabalhar como garçom após trabalhar por sete anos como motorista de ônibus de diversas linhas que circulam pela Região Metropolitana do Rio. Depois que perdeu o emprego, espalhou currículos por um ano e oito meses e só ouviu promessas.
“As empresas pediram para eu aguardar em casa, que iam chamar, sendo que não chamaram. Eu voltava para casa com o coração triste, mas renovava as minhas forças pela manhã, acordava cinco horas da manhã e começava o processo novamente”, explicou.
Segundo dados divulgados pelo IBGE na última quinta-feira (31), o desemprego ficou em 11,8% em setembro, atingindo 12,5 milhões de brasileiros. De acordo com os dados, o número de trabalhadores por conta própria e sem carteira assinada permaneceu em patamar recorde da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012.
A categoria por conta própria chegou a 24,4 milhões de pessoas no trimestre encerrado em setembro, o que representa uma alta de 1,2% em relação ao mesmo período de 2018.
Já o número de empregados sem carteira de trabalho assinada seguiu no patamar recorde de 11,8 milhões de pessoas, o que representa um crescimento anual de 2,9%.
Ônibus em crise
A crise relatada pelo ex-motorista, atualmente ambulante, é comprovada pelos dados. Apenas na cidade do Rio de Janeiro, 14 empresas de ônibus faliram desde 2010. Sete delas só no ano passado, segundo dados do Rio Ônibus, sindicato que representa as empresas da capital fluminense.
Os problemas no setor também são destacados pelo sindicato dos rodoviários do Rio.
“É uma calamidade. A gente perdeu, nos últimos 10 anos, quase 50% da categoria. Éramos 45 mil rodoviários na cidade do Rio. Estamos reduzidos a 20 mil agora”, destacou Sebastião José, presidente do Sintraturb.
Ele estima que cerca de 10 mil postos são de cobradores, suprimidos a partir do momento que os motoristas foram obrigados a assumir a dupla função. Além disso, ele destaca que os motoristas enfrentam em sua rotina situações como a violência no trânsito e grandes engarrafamentos.
Em São Gonçalo, a situação não é diferente. Quem afirma é Gilberto Pinheiro, diretor responsável pela unidade de Alcântara do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários de Passageiros de Niterói a Arraial do Cabo, Sintronac, que inclui parte da Região Metropolitana e dos Lagos. Segundo ele, há menos de 15 dias uma das empresas da região demitiu 90 funcionários.
“Estamos com uma crise grande, o setor está diminuindo. As próprias empresas querem centralizar os departamentos pessoais, as empresas que possuem várias garagens. A tendência é desempregar”, destacou Pinheiro
O fim da função de cobrador e a precarização do setor de transportes, com carros particulares e vans piratas fazendo o trabalho dos ônibus, são apontadas por ele como causas do encolhimento do segmento.
Segundo ele, há 12 anos, o sindicato contava com cerca de 23 mil rodoviários filiados na região. Atualmente são 16 mil. Fora esses números, ele destaca que profissionais que trabalham com a manutenção dos ônibus, como mecânicos e borracheiros, também ficam desempregados.
Fonte: G1