Desenvolvida em Maricá, uma técnica pioneira no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a terapia neural, está contribuindo para melhorar a qualidade de vida dos pacientes portadores de chikungunya, atendidos na unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Ponta Grossa, em Maricá. Por sua inovação, o trabalho, inclusive, foi o grande vencedor da “16ª Mostra Brasil Aqui tem SUS”, que avalia as melhores experiências em Saúde apresentadas no 35º Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, realizado em Brasília.
“Terapia neural: uma ferramenta para tratamento das sequelas da chikungunya” foi escrito pelo fisioterapeuta do Núcleo de Apoio à Estratégia de Saúde da Família (NASF), Clailson Henriques de Almeida Farias, de 44 anos, pela enfermeira responsável pela ESF do bairro de Ponta Grossa, Ana Cassia Gonzalez dos Santos, de 44 anos, e pelo enfermeiro do Núcleo de Educação Permanente (NEP), Raphael Dias de Mello Pereira, de 39 anos. Foram atendidos, tratados e acompanhados pela equipe 27 pacientes da unidade (17 mulheres e 10 homens, de idades entre 27 a 83 anos), com queixas de poliartralgia, limitações de movimentos e incapacidade laboral. Após o tratamento com a terapia neural, 100% dos pacientes retomaram suas atividades diárias, sem dor e limitação de movimentos. Foi observada grande melhora em pacientes com dores crônicas e quadros de dor aguda, como os provenientes de casos de chikungunya e de outras doenças como fibromialgia, lombalgia e processos de infecções variados. A técnica é feita em pontos estratégicos como cicatrizes, pontos de dor, tensões miofaciais e pontos a partir do mapa da terapia neural.
A merendeira Adriana Cristina Antiqueira, de 45 anos, por conta da chikungunya não conseguia andar nem mexer as mãos. “Trabalho mexendo em panelas pesadas. Não tinha forças nem para ir ao banheiro, imagine pegar o ônibus e ir trabalhar. A doença me limitou”, descreveu. “Depois de um ano que fiz a terapia neural, posso dizer que estou totalmente curada. Logo após a primeira aplicação, já senti um grande alívio e retomei minhas atividades”, salientou Adriana, que passou a recomendar a terapia para seus conhecidos. “Quem notou minha recuperação me pergunta o que fiz e indico esse tratamento como milagroso”, afirmou.
Regina Nascimento de Abreu, de 44 anos, foi diagnosticada com chikungunya há menos de um mês. “Eu era do tipo que ajudava meu marido a construir nossa casa, carregava até saco de cimento. Por causa da doença não conseguia levantar da cama, era dor da ponta do pé até a cabeça”. Mesmo com pavor de injeção, quando soube do tratamento não hesitou. “Só com uma sessão já tive uma melhora absurda e voltei a fazer todas as atividades dentro de casa. Essa terapia me devolveu a alegria”, enfatizou.
Clailson, que atua há mais de 15 anos como fisioterapeuta, explica a técnica. “Semelhante ao processo de acupuntura, a terapia neural visa não o tratamento de doenças, mas sim de pessoas e do corpo como um todo”, ressaltou. O tratamento é feito a partir da aplicação de cloridrato de procaína, em 1%, diluído em soro fisiológico. “A procaína funciona como um estímulo e não como um remédio. E não é um bloqueio anestésico. Essa substância aplicada em partes específicas do corpo, que varia de paciente a paciente, restaura o equilíbrio do sistema nervoso autônomo regulando o organismo e provocando uma repolarização celular. É um tratamento que visa a melhora de sintomas mentais ou físicos que estejam incomodando o paciente”, acrescentou.
A técnica surgiu na Alemanha, na década de 1920, e é popular em países da Europa e da América Latina, como Colômbia, Chile e Peru. Dentre os diversos trabalhos que embasaram a aplicação, a equipe de Maricá destaca o artigo assinado pela Equipe de Atenção Primária de Barcelona, na Espanha, de 2010, e um estudo sobre dores crônicas de pescoço, publicado em 2016 na Alemanha.
Para o tratamento, em geral, são necessárias cinco sessões de aplicações, uma por semana. No entanto, Ana Cássia, que atua como enfermeira há oito anos, explica que o efeito é imediato e a melhora já pode ser notada logo após a primeira aplicação. “Todos nossos pacientes relataram melhora no quadro de dor. Uns já na primeira, outros com o passar do tratamento”, salientou.
O tratamento exige também conhecer o histórico de vida dos pacientes, fundamental para estabelecer o diagnóstico preciso e as condutas terapêuticas mais adequadas. “O primeiro atendimento é mais demorado, cerca de 40 minutos, justamente porque precisamos conhecer a história e hábitos dos pacientes. O sintoma e a história da pessoa são mais importantes do que o diagnóstico. A chikungunya, por muitas vezes, incapacita o indivíduo para atividades laborais e para a possibilidade de se movimentar, o que afeta diretamente a sua autoestima. Por isso, é necessário, esse monitoramento porque precisamos atuar no atendimento como um todo, muitas vezes, tendo que encaminhar para outras especialidades como nutricionista, assistente social e/ou psicólogo”, frisou.
De acordo com os dados da Vigilância Epidemiológica Estadual, no estado do Rio, os casos de chikungunya já chegam a cerca de 60 mil no primeiro semestre de 2019, o dobro em comparação a 2018. “A terapia demonstra-se uma prática integrativa segura, barata e de fácil acesso e pode ser aplicada nos três níveis de atenção no SUS (atenção básica, média e alta complexidade). Buscamos oferecê-la de forma a reduzir o uso de medicamentos, diminuir as visitas às unidades de emergência e urgência e melhorar a qualidade de vida”, explicou o fisioterapeuta.
A técnica não é exclusiva para tratamento de chikungunya. De acordo com a enfermeira, fatores físicos e emocionais, como um trauma ou uma cirurgia, também desequilibram o sistema nervoso e levam a sintomas físicos, entre eles dores crônicas, insônia ou prisão de ventre. “A aplicação da procaína é capaz de restaurar o equilíbrio neurológico, o que contribuiu para o desaparecimento do problema. É como se apagasse as memórias irritativas do sistema nervoso”.
O aposentado Agnaldo Calixto de Carvalho, de 60 anos, morador há cinco anos do bairro Ponta Grossa, se surpreendeu ao descobrir que estava com depressão por ter se aposentado. “No início, me senti livre, mas, de repente, comecei a me sentir inútil e sem valor. Comecei a trabalhar bem cedo aos 15 anos e sentia falta dessa rotina. Cheguei ao ponto de sentir falta até de engarrafamento”. Com os sintomas, Agnaldo procurou psicólogo e recebeu prescrição de ansiolíticos e antidepressivos. “Comecei a tomar muitos remédios até ser indicado a fazer esse tratamento. A terapia contribuiu muito para hoje eu estar muito bem, não precisar mais tomar remédio algum. Hoje vou para academia e sou muito feliz”, concluiu o paciente.