Câmara de Niterói gasta R$ 25,7 milhões com estatutários

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O Legislativo niteroiense nunca esteve com seus cofres tão cheios. Com uma receita de R$ 69,5 milhões para 2019, viu seu orçamento crescer 60% nas últimas duas legislaturas: em 2013, a Câmara contava com R$ 43,4 milhões. E quem consumirá a maior fatia desse bolo serão os 432 servidores estatutários da ativa que estão há pelo menos 30 anos na Casa: são R$ 25,7 milhões destinados ao pagamento de seus salários, o que corresponde a 37% de toda a receita. Quem frequenta os corredores da Câmara, porém, diz não notar a presença dessas centenas de servidores, informação constatada pelo GLOBO-Niterói. A verba milionária também não evita a existência de problemas estruturais, conforme relatos dos próprios vereadores e funcionários.

Na última quarta-feira, a equipe de reportagem esteve na Câmara ao longo de toda a sessão plenária, que durou das 17h às 19h30m. Por volta de 17h45m, o setor de multigrafia (datilografia), que, segundo o Portal da Transparência da Câmara, tem 43 mecanógrafos e dois auxiliares, estava fechado.

Sob a condição de anonimato, um comissionado relata que diariamente vê vazios setores que, em tese, deveriam estar lotados de servidores:

— A Câmara nem tem espaço para tanta gente. Já presenciei vereador passar mal, e a divisão médica, que deveria ter quatro profissionais, estar vazia. Na sala de multigrafia existe meia dúzia de funcionários e uma máquina copiadora. Mas para que serve um datilógrafo atualmente?

Na mesma quarta-feira, por volta de 18h30m, a equipe de reportagem foi ao setor de odontologia e à Procuradoria. Ambos estavam fechados.

Já na sexta-feira, por volta de 10h15m, O GLOBO-Niterói circulou de novo pelos corredores do Legislativo: não havia médico na Casa. Desta vez, contudo, a sala de multigrafia estava aberta. Uma servidora, que também pediu para não ser identificada, disse que, para se adaptar aos novos tempos, houve uma readequação das funções.

— Existem mecanógrafos em outros setores, atuando em diferentes funções. Eu, por exemplo, sou auxiliar administrativa há mais de 30 anos — contou, ao lado de outros cinco estatutários que estavam na sala. — Mas se há servidores que não trabalham e ainda recebem salário, é a Câmara que deve averiguar.

Assim como na noite de quarta-feira, a sala de serviço odontológico estava fechada na manhã de sexta. A Procuradoria, ao contrário da noite de quarta, encontrava-se com a recepção aberta, mas sem ninguém no atendimento.

Questionada, a Câmara não respondeu se os 432 estatutários estão alocados no Legislativo ou se há funcionários cedidos a outros órgãos. Também ignorou a pergunta se eles assinam folha de ponto.

O Portal da Transparência da Casa aponta que todos os estatutários foram incorporados via contratação direta entre 1977 e 1988, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou o concurso público como regra para o preenchimento de cargos. Todos eles têm, pelo menos, 30 anos de casa. Desde então, não houve concurso.

Ainda segundo o comissionado, “quase todos esses funcionários são idosos, que já poderiam ter se aposentado, mas não querem perder suas gratificações”.

Segundo a Câmara, a aposentadoria compulsória no município é apenas aos 75 anos.

Estrutura inadequada

O Portal da Transparência mostra ainda que os 21 vereadores, com seus salários de R$ 12.500 mensais, geram um custo de R$ 3,5 milhões ao ano: 5% da receita anual da Câmara. Os 248 comissionados consomem 20,7% da receita, gerando um gasto de R$ 14,4 milhões anuais; são 147 nos gabinetes dos vereadores (sete em cada um) e outros 101 distribuídos nas comissões e na mesa diretora.

A Câmara tem ainda seis servidores que acumulam cargos de comissão. Contratados entre 1979 e 1985, vão gerar uma despesa de R$ 1,5 milhão ao longo de 2019. A média de seus salários é de R$ 16.800.

Além do total de R$ 45,1 milhões gasto com a folha de pessoal, restam ainda R$ 24,4 milhões para investimentos em outras áreas. Mas nos corredores e gabinetes há muitos problemas estruturais. Não existem câmeras de segurança fora do plenário, e, apesar de funcionar, o detector de metais na entrada do prédio não impede o acesso de ninguém.

O vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL) diz que “falta transparência na utilização dos recursos pela Mesa Diretora”.

— Estamos reapresentando uma proposta de adoção de um sistema de ponto biométrico. Também é fundamental a convocação de um concurso público, pois não se pode manter um enorme número de servidores sem atender a critérios de eficiência — pontua, acrescentando que a Câmara não fornece verba mensal para manutenção de gabinetes.

Leonardo Giordano (PCdoB) engrossa o coro em relação à necessidade de um concurso:

— Quando presidi uma CPI, por exemplo, precisei de um contador para analisar os investimentos de uma empresa, mas tive que pedir ajuda fora, pois a Câmara não tinha corpo técnico.

Segundo o vereador Bruno Lessa (PSDB), a estrutura fornecida aos vereadores é muito inferior ao “alto orçamento do legislativo”:

— Apesar de ter um orçamento anual altíssimo, a estrutura fornecida ao parlamentar é muito ruim para se realizar um trabalho de fiscalização das contas públicas. Por que a Mesa Diretora não usa esses recursos para realizar um concurso público para o cargo de técnico legislativo, como já existe na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj)? — questiona o tucano.

Outro vereador, que optou falar apenas sob a condição de anonimato, disse que ficou sem ar-condicionado no gabinete durante três meses:

— Tirei R$ 1.200 do meu bolso para consertá-lo.

Concurso público

A Câmara informa que já contratou empresa especializada para produção de um relatório sobre a sua situação administrativa, inclusive com sugestões para a realização de um concurso. Diz ainda que dois relatórios preliminares foram entregues e que o texto final estará pronto em até 45 dias.

Sobre as queixas dos vereadores, afirma que vem realizando melhorias em sua estrutura, como instalação de elevador e de rampas de acesso; contratação de empresas de serviços de refrigeração, além da recuperação de sua estrutura física e a criação de variada programação cultural. Acerca dos servidores contratados nas décadas de 1970 e 1980, explica que a redução do quadro ocorre gradualmente, conforme os pedidos de aposentadoria.
Fonte: Jornal O Globo

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