O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 está marcado para acontecer nos dias 17 e 24 de janeiro. A Defensoria Pública da União (DPU) no Rio de Janeiro recomendou, nesta quinta-feira, ao Governo do Estado e à Prefeitura o adiamento da prova. Além da preocupação pela alta de casos da Covid-19, estudantes afirmam que não se sentem preparados e seguros para fazer o exame.
Realizada em meio à pandemia, a prova tem 5,7 milhões de inscritos em todo o país. Segundo os inscritos, não há condições seguras para a realização da prova. O Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame, diz que a data está mantida.
A estudante do Colégio Jean Piaget Ana Beatriz Peixoto da Silva, de 17 anos, vai prestar o Enem 2020 e está de acordo com o adiamento.
“São milhões de estudantes que estarão expostos a essa pandemia pela qual estamos passando, prejudicando todo o país. Além disso, o sistema de saúde de muitos locais está à beira do colapso, como aqui mesmo no Rio de Janeiro, não havendo condições para lidar com as possíveis consequências da realização da prova”, alertou a moradora de Laranjal, São Gonçalo.
Ana Beatriz diz que o Ministério da Educação (MEC) deveria ter considerado o voto da grande maioria dos estudantes na primeira enquete sobre o adiamento. “Quando o MEC nos consultou sobre o mês que gostaríamos de fazer a prova votamos no mês de maio, e não janeiro, e também sabemos que não há condições sanitárias para realizarmos a mesma”, lamentou.
Para ela, além da exposição ao vírus, muitos jovens não tiveram o devido preparo para a realização do Enem. “Minha escola ofereceu o estudo a distância em meio a quarentena e sempre nos preparou muito para vestibulares como o Enem. Também optei por um pré-vestibular online para um complemento nos meus estudos, mas não me sinto completamente preparada, porque claro e evidente que, como eu, muitos estão com o psicológico abalado, e não tiveram acesso à educação como eu pude ter”, afirmou a gonçalense, que deseja cursar biologia marinha na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Matheus Abreu, de 17 anos, está se preparando para cursar Medicina na UFRJ. Ele contou que o colégio onde estuda só começou as aulas à distância em outubro. “Tive que estudar sozinho no meio de uma pandemia, e meu pai ficou desempregado. Foi muito complicado. Me sinto totalmente perdido e despreparado”.
O jovem diz que “o Inep está sendo totalmente irresponsável aplicando o Enem em um dos momentos mais tensos da pandemia causada pelo covid-19”.
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Enem como ‘marcador da desigualdade’
A professora adjunta da Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Giselle Maria Sarti Leal, de 38 anos, comenta que a não realização do Enem mexe com toda uma organização dos calendários acadêmicos e com a formação da mão de obra para atuar no mercado de trabalho mais à frente. “A gente sempre se pergunta lá no fundo se não valeria a pena o estudante tentar, mesmo sem o devido preparo”.
Segundo a educadora, o Enem já é, por si só, um marcador de desigualdades de oportunidades, embora isso seja amenizado pelas cotas. Com a atual situação do ensino remoto, a disparidade só aumentou.
“Na rede estadual do Rio, por exemplo, muitos dos meus colegas que nela atuam viram seu trabalho ser em vão, jogado pela janela, dadas as dificuldades da interação remota, que vai desde a ausência de espaço, silêncio, ou um aparato para assistir às aulas, até a dificuldade de conexão, a sobrecarga das redes, já que não temos bons serviços de operadoras de internet, muitos alunos sem banda larga, ouvindo aula na moto/ bike enquanto trabalham como entregadores. Enfim, são muitas questões, muitos obstáculos que envolvem os alunos das classes menos favorecidas”.
Levando tudo isso consideração, Giselle afirma que é favorável para o adiamento da prova. “Se o objetivo é uma formação de mão de obra qualificada na educação superior, sem a devida formação na educação básica, o aluno pode até conseguir passar na prova e entrar na universidade, mas qual será seu desempenho? Vai entrar com muitas lacunas que podem, lá na frente, desanimá-lo, impedi-lo de continuar… por isso sou a favor do adiamento. Porque a diminuição das desigualdades precisa ser prioridade para todos os recursos e instrumentos da educação nacional. E o Enem é um deles, precisa ter uma função social relevante”.
Ponto de vista da saúde
Para o pediatra infectologista Renato Kfouri, de 56 anos, eventos como esses que podem gerar grandes aglomerações são arriscados, mas possível de ser realizados se houver respeito pelas medidas restritivas.
“É possível fazer uma prova mantendo o distanciamento entre as carteiras, com salas ventiladas, com a obrigatoriedade do uso de máscara. O próprio aluno pode ser orientado a levar os seus materiais e não compartilhá-los, o álcool gel. Já é um ambiente silencioso, que não tem tanta sala, o que diminui o risco de propagação. O grande gargalo, ao meu ver, está relacionado ao transporte e a entrada desses alunos nos locais das provas. Talvez possam flexibilizar mais pontos de aplicação da prova e alternar o horário de entrada. Algum jeito para que não tenha tanta aglomeração”, disse o presidente do Departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.