Cinco meses depois do primeiro registro do novo coronavírus no Brasil, apenas 95 municípios não têm casos da doença. O número representa menos de 2% do total de cidades brasileiras (5.570). No epicentro da Covid-19, o estado de São Paulo tem apenas oito pequenos municípios, entre os seus 645, sem nenhum caso confirmado até hoje, segundo informações do governo.
O país tem, até agora, 85.385 mortos e 2.348.200 infectados pelo coronavírus, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa formado por EXTRA, O Globo, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, das 95 cidades sem Covid, a maioria se concentra em Minas Gerais, com 68 municípios (de 853) sem casos. Apesar do alto número, o estado tem baixa testagem e alta subnotificação. De acordo com a Secretaria da Saúde de Minas, vários fatores podem ser atribuídos à falta de registro, mas a pasta destaca “o fato de que a maioria se trata de municípios de pequeno porte e com grande área rural”.
No Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul aparecem na sequência, com seis e quatro cidades, respectivamente, livres da Covid. O Ministério da Saúde informa que SP tem apenas duas cidades sem casos, mas dados do governo do estado indicam oito cidades. Atrasos nas notificações e na junção de informações estaduais e federais geram discordância em alguns dados.
Embora separados geograficamente, os poucos municípios brasileiros ainda sem casos registrados têm pontos em comum: pouca mobilidade e baixa densidade populacional. Muitos são rurais, de dinamismo econômico limitado, onde a cadeia de transmissão viral demora a chegar. Esses fatores explicam mais a ausência de notificações do que medidas particulares de isolamento e distanciamento social adotadas durante a pandemia.
“Doenças virais costumam seguir um padrão hierárquico de difusão. Portanto, ocorrem mais rapidamente nas cidades maiores, e só depois se expandem a municípios rurais. São várias pandemias ocorrendo ao mesmo tempo” explica Raul Guimarães, professor de Geografia da Saúde da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Em São Paulo, embora os oito municípios sem Covid-19 façam limite com áreas que têm muitos casos, eles permanecem sem ser afetados, principalmente, por suas características socioeconômicas:
“Santa Mercedes (no Oeste paulista), por exemplo, tem três mil habitantes, a maioria idosos, com renda vinda principalmente da aposentadoria” afirma o professor da Unesp. Já perto de Taubaté, no Vale do Paraíba, estão as chamadas cidades mortas, do antigo ciclo do café. São municípios em que houve grande diminuição populacional nos últimos 30 anos.
Sem conexão com grandes cidades
É o caso de Lagoinha, próxima a Taubaté. O secretário municipal de Administração, José Guilherme Corrêa, explica que grande parte da população da cidade é idosa. E metade mora na zona rural. Para alertar sobre a importância do isolamento, um carro de som passou a circular pela cidade.
“Nos primeiros dias, era uma mensagem com a voz do próprio prefeito. Foi a solução que encontramos, na correria, mas surtiu efeito. Todo mundo parava para ouvir: “Olha, é o prefeito falando”. O fechamento da praça e de um centro de convivência também foram medidas muito radicais”, diz.
Outro exemplo é o município de Ribeirão Corrente, no nordeste do estado. Embora perto de Franca — município incluído na fase “vermelha” pelo governo de São Paulo —, Ribeirão Corrente não possui os mesmos laços econômicos de outras cidades que viraram epicentro da Covid justamente por essa ligação.
A ausência de conexões viárias com grandes cidades é um dos fatores que colaboram para o atraso da chegada da doença à cidade, explica o secretário de Saúde, Etiene Siquitelli Silva:
“A questão geográfica nos ajudou. Além disso, aqui não tem indústria, não há chamariz para turismo. E boa parte das pessoas trabalha com cafeicultura, e estamos em plena colheita”.
Fatores como mobilidade e densidade populacional também influenciam a ausência de casos em municípios de outros estados brasileiros.
No Centro-Oeste, Goiás tem quatro municípios sem casos, segundo o ministério. Já a Secretaria de Saúde diz que são 14 cidades sem Covid, “municípios pequenos da região Norte do estado, com baixa densidade demográfica e menor fluxo de pessoas”.
No Nordeste, os perfis variam. Se no Ceará o novo coronavírus se expandiu rapidamente a partir da forte conexão dos municípios com a capital, Fortaleza, nos estados da Bahia e de Pernambuco, por exemplo, com rede urbana mais esparsa, a difusão foi mais devagar.
Nesta semana, Manari, no sertão pernambucano, foi a última cidade do estado a registrar casos. Segundo a prefeitura, restrições no comércio e sanitização diária de pontos com maior fluxo ajudaram a retardar o contágio.
Já na Bahia, segundo a Secretaria da Saúde, o processo de interiorização foi evitado enquanto possível com a implantação de barreiras sanitárias nas rodovias e a interrupção do transporte intermunicipal onde havia casos.