Ex-merendeira alimenta a família com pelancas do caminhão dos ossos, na Baixada Fluminense

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Foi com o resto da pelanca que pegou no caminhão dos ossos na terça-feira, como o EXTRA mostrou na última quarta-feira, que a desempregada Denise Fernandes da Silva, de 51 anos, fez o almoço de ontem para os filhos e os 12 netos. Como a quantidade era pouca, e ela não tinha dinheiro para comprar mais alimentos, ela recorreu a doações de frutas e legumes nas proximidades do bairro Parque Alian, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, para incrementar o cardápio do dia. Arroz, feijão e pelanca com batatas:

— É o que temos para o almoço. Mais tarde, Deus proverá.

Denise tinha como missão alimentar um batalhão de gente. E fez milagres. Com as mãos fabulosas de uma boa merendeira que foi, aquela foi a principal refeição do dia para a família inteira.

— Eu ia hoje (ontem) para a Glória para pegar a mistura. Mas não tive os R$ 15 das passagens de ida e volta. Então, para completar o resto (da pelanca) que tinha, fui ali do outro lado da linha do trem e consegui uns tomates, umas batatas, umas cebolas e cheiro verde. Vou acrescentar e, se Deus quiser, vai render — planejava.

Com o amor e a experiência de quem já cozinhou para dezenas de crianças na Escola Municipal Parque Alian, a ex-merendeira descascou o alho, a cebola e colocou o resto de carne para cozinhar. Minutos depois, servia a criançada.

— Sou muito grata ao seu José (motorista do caminhão que recolhe a ossada de mercados da Zona Sul do Rio e distribuía uma parte à população faminta). Com esse alimento consigo matar a fome dos meus filhos e netos. Olha como ficou bonito — apontou, orgulhosa, para a comida pronta.

O jantar, no entanto, ainda era incerto.

Desempregada, Denise conta que passou a pandemia toda tentando o auxílio emergencial, que foi negado. Só uma de suas filhas recebe ajuda do governo.

— Há dois anos eu perdi meu marido, e ele não deixou nenhuma fonte de renda. Então, como não consigo emprego, a gente vive nessa dificuldade. Não queríamos estar nessa situação. O que mais me dói é quando eu abro o armário e não tem nada para eu fazer.

Enquanto isso, na Glória, Zona Sul do Rio, Luis Vander Ferreira da Silva, de 39 anos, unido a Denise pela mesma tragédia da fome, fritava o resto de pelanca e algumas peles de galinha que conseguiu numa feira para matar a fome da família e de amigos.

— Para complementar o almoço, fui na feira e o moço me deu um pouco dessa pele de galinha. Temperei e estou fritando. Vai ser a refeição do dia — contou Vander, debruçado sobre o pequeno fogão a lenha improvisado na rua, onde vive.

— Amanhã será um novo dia.

Decepção à espera do caminhão

Ontem, pouco depois das 11h, a desempregada Sheila Fernandes da Silva, de 43 anos, com os olhos marejados concluiu: “É, acho que ele não vem mais. Não teremos a mistura para os próximos dias”. O caminhão dos ossos não estacionou ontem na Glória, como costuma fazer às quintas. Sheila e a filha, que haviam saído da Pavuna, na Zona Norte do Rio, pouco depois das 8h30, foram almoçar na casa de Denise, irmã de Sheila, em São João de Meriti, onde as pelancas de terça-feira ainda renderam uma refeição.

Outras pessoas que esperavam na fila da fome, que cresceu após a notícia da existência do caminhão se espalhar, lamentaram.

Mais duas mil cestas básicas

Publicadas pelo EXTRA, imagens da fila de pessoas à espera de ossos e restos de carne descartados, distribuídos num caminhão na Zona Sul do Rio, correram o país. O movimento voluntário União Rio, criado para apoiar comunidades vulneráveis em tempos de Covid, vinha enfrentando queda nas doações nas últimas semanas, mas, motivado pela revelação da multidão de famintos na cidade, levantou verba para quase duas mil cestas básicas.

— Temos casos de famílias que eram absolutamente organizadas e perderam o emprego. Gente que nunca precisou de ajuda e hoje necessita — relata Daniella Raimundo, cofundadora do movimento.

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, estabelece como linha de pobreza uma base de R$ 261 mensais por pessoa e vê “cenário desolador” no Rio. O grupo abaixo desse limite, de 6,4% da população fluminense em 2019, saltou para 7% em novembro passado, quando houve redução no valor do auxílio emergencial, e, em fevereiro de 2021, chegou a 10,65%. Ou seja, o estado viu surgir 745.148 pobres a partir da pandemia, atingindo 1.849.491 pessoas.

— No caso do Rio, como vimos, houve um aumento forte de pobreza depois de interrupção do auxílio emergencial, o que agrava ainda mais a situação de fome. O que ameniza é que o Rio sedia organizações da sociedade civil especializadas no tema como a Ação da Cidadania, fundada por Betinho — diz Neri.

Crédito: extra.globo.com

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